segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Só a inocência e a ignorância são felizes

Só a inocência e a ignorância são
Felizes, mas não o sabem. São-no ou não?
Que é ser sem no saber? Ser, como a pedra,
Um lugar, nada mais.
                                                    Fernando Pessoa

Sou adepta das ciências exactas, nada me dá mais gozo do que perceber exactamente o quê, como e porquê de algumas coisas. Percebo a beleza do incontrolável e do sem explicação, mas a possibilidade de prever e conhecer dão-me uma segurança e uma sensação de controlo que conforta, mesmo quando não passa de sensação.

A fisiologia e patologia humana não são excepção. Aprende-se como funciona, o que influencia e como evolui na doença. É tudo uma questão de desenvolvimento, evolução e declínio, entram as estatísticas e conseguimos saber com antecedência uma boa parte das fatalidades que nos vão atingir. A pouco e pouco deixa de haver espaço para acreditar num resultado diferente, encara-se como inevitável, sobra a capacidade de adaptação. Eu sou claramente optimista, mas receio que tenha perdido a margem para a fé.

Durante muito tempo a ciência e a religião andaram de costas voltadas, refutando-se mutuamente, mas os exemplos de benefícios da fé inexplicáveis cientificamente não tardaram a surgir. Os casos estendem-se desde a oncologia, problemas cardíacos, recuperação de lesões traumáticas graves entre outros. Vários estudos avaliaram o impacto da fé dos doentes no processo de cura e reabilitação. É notável a forma como as pessoas com fé conseguem gerir melhor o processo da doença, encara-lo de forma mais positiva e ter mais forças para resistir e melhorar. É como se acreditassem que há uma força superior que gere os acontecimentos e que tem o poder de alterar o curso da história que lhe pintaram. Sentem-se mais amparadas, protegidas e com esperança, eventualmente a raiva que sentem pelo seu estado dá lugar à esperança. Estes sentimentos têm influencia no organismo, nomeadamente ao nível do sistema imunitário, cardíaco e neurológico, podendo contribuir para a efectiva recuperação/cura das pessoas. Posto isto, é lógico que eu defendo e respeito a fé das pessoas.

O lado mais obscuro da fé, do meu ponto de vista, prende-se com o uso e abuso desta por parte de terceiros, que nem sempre têm em consideração o impacto final nos doentes. Ou seja, a doença torna as pessoas mais vulneráveis a todo o tipo de histórias e caminhos alternativos que pareçam ter o poder de contrariar a evolução da sua doença e a par desta constatação surgiram pessoas que se concentram em utilizar a fé das pessoas para seu próprio proveito. Exemplos disto são algumas ditas "igrejas" brasileiras ou outras que incentivam as pessoas a dar o que têm e não têm a troco de melhorias na sua vida/cura de doenças, a um nível mais arcaico encontram-se bentas e bentos e pessoas dotadas para ler e interpretar a sina e o passado das pessoas e como se isso não bastasse de alterar, para melhor claro, a situação dessas pessoas em troca de simbólicas quantias de dinheiro. A um nível ainda mais amador encontram-se os sabem tudo que já viram de tudo e asseguram que os médico não sabem de nada, ao contrario deles, que por acaso conhecem meia duzia de casos, tal e qual, que tiveram um desfecho tão diferente. Embora eu reconheça os benefícios da fé, o mesmo não posso dizer deste tipo de organizações/indivíduos.

A história da fé torna-se um pouco mais complicada quando se aproxima de nós, ou melhor, de alguém próximo de nós, de quem gostamos e nos preocupamos. Se de uma forma geral eu incentivaria as pessoas com qualquer tipo de doença a acreditar na resolução dos seus problemas, quando se trata de algo próximo a minha tendência é para ser optimista mas muito realista. Ou seja, encarar os acontecimentos pelo melhor lado possível e perante o prognóstico mais provável  preparar/adaptar para o que aí vem. Gostava de acreditar genuinamente que, por obra de algo inexplicável, tudo se iria resolver e voltar à melhor forma possível. Mas não consigo. A ciência contou-me como iria ser e isso não me sai da cabeça. Nesta altura eu acho que o melhor a fazer é adaptar. Eu já tentei todas as abordagens possíveis de imaginar, mas sinceramente nenhuma me deixou tranquila. Incentivar as pessoas a aceitar os factos crus, tal como eu os vejo, poderia fazer com que aceitassem melhor os acontecimentos e efectivamente se adaptassem mais rapidamente, mas iria abalar a sua esperança e a fé. Incentivar e partilhar essa fé poderia lhes dar mais conforto, mas receio uma desilusão dolorosa a longo prazo, ou não tão longo assim. Por outro lado, posso abster-me de mostrar os meus reais sentimentos e preocupações face à situação, mas não sou capaz de simular o que não sinto. De certa forma Fernando Pessoa tinha razão, mesmo que não o saibam, só a inocência e a ignorância são felizes.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Inspiração

Não costumo ter grandes crises existenciais, mas de vez em quando preciso de novas fontes de inspiração. Não há nada mais inspirador do que as próprias pessoas e  esta semana tive o prazer de confirmar isso mesmo. Gosto particularmente daquelas que são naturalmente inspiradoras, quer pela atitude, quer pela história que partilham. É fácil ir perdendo a motivação ao longo do tempo, as coisas já não fazem tanto sentido, perdem o entusiasmo da novidade, fica mais difícil relembrar porque entrámos no barco. Conseguir manter a inspiração e motivação nem sempre é fácil, mas há dias em que parece o pequeno passo entre uma visão mais ou menos optimista do panorama.

Eu acredito, e ao que parece há algumas evidencias cientificas, que até certo ponto o estado de espírito é contagioso. Ou seja, num ambiente descontraído temos tendência a adoptar o estado de espírito dominante no grupo ou temos a capacidade de influenciar o estado dos que nos rodeiam, dependendo da situação. Tenho uma admiração especial por pessoas optimistas, com ideias e convicções, sem grandes medos de arriscar. Quem escolhe seguir a ciência como profissão não tem o caminho nada facilitado, é preciso sobreviver a uma boa dose de frustração até se conseguir alcançar algum modo de gratificação resultante do trabalho e a maioria das vezes é uma sensação momentânea, pois precede o inicio de um novo ciclo. Falo da ciência porque é algo que também me diz respeito, mas tenho a certeza que o exemplo se aplica a muitas outras áreas. Quando se expõe o resultado do trabalho que nos consumiu alguns anos, partilha-se muito mais do que conhecimentos científicos adquiridos, sente-se o entusiasmo na voz, adivinham-se algumas das dificuldades enfrentadas, revemos-nos nos receios e nas esperanças. Por fim, se for uma história de sucesso, e for contada por um bom orador, deixa-nos uma esperança renovada, deixa uma agitação interior, por momentos voltamos a sentir o bichinho que nos empurrou para ali. No fim do dia talvez não seja tanto as novas descobertas que levamos para casa, mas sim uma nova inspiração. Estou no inicio da corrida, vou ter muitas oportunidades para ficar frustrada, espero continuar a encontrar pessoas contagiantes pelo caminho.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

The show must go on





Hoje não sinto apelo para a escrita. O dia pede apenas uma banda sonora e acho que não podia ser outra, um grande senhor e uma grande música.Posto isto não preciso dizer mais nada!

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O mundo que nos passa ao lado

É fácil não repararmos nas coisas quando não estamos a procura delas. Acontece vezes sem conta com mais ou menos gravidade, mas é algo inerente à nossa capacidade de prestar atenção ao que nos rodeia. Uma boa parte do processamento da informação que nos chega através dos sentidos é feita de forma inconsciente e desde que despertamos os nossos sentidos são bombardeados com grandes quantidades de informação, sons, cheiros, imagens, e outras sensações que a nossa mente não consegue simplesmente processar na totalidade. A tarefa torna-se ainda mais difícil quando estamos a aceder a memórias, a fazer algum tipo de raciocínio ou preocupados com alguma coisa. Temos capacidades limitadas e a tendência é para nos focarmos no que consideramos mais importante ou no mais apelativo, ou seja a atenção que damos a algo faz com que se processe mais informação acerca do alvo enquanto se negligência o envolvente. Há vários estudos sobre o assunto e o teste deste vídeo ilustra bem esta ideia.

Esta capacidade permite-nos manter minimamente focados no nosso dia a dia, contudo uma boa parte da informação é simplesmente perdida, não registada, nem recordada, ficamos insensíveis à informação que não chega ao nosso consciente. Este fenómeno explica a razão pela qual nos conseguimos concentrar no meio do barulho, porque não ouvimos o que nos dizem enquanto escrevemos mensagens ou porque acontecem erros nos hospitais, nas fábricas, nos bancos em qualquer sitio onde o Homem esteja. É uma capacidade humana e está na base de erros humanos. Quanto mais exigente a acção que estivermos a desempenhar ou mais atenção lhe estivermos a dedicar, mais cegos ficamos para o resto do mundo.

Esta noção de limite e direcionamento da atenção leva-me a pensar no enviesamento a que fica sujeita a percepção da realidade, ou seja, temos tendência para ver melhor aquilo que estamos predispostos a encontrar. Já não me estou a referir a trabalhar no local com barulho, mas sim à leitura que fazemos do dia a dia, da interacção com os outros e dos acontecimentos em si. Deve ter sido daí que surgiu a ideia de pensar fora da caixa ou o ditado que diz que só encontra a sorte quem a procura ou ainda que só se ouve o que convém. Em determinadas circunstâncias devemos ficar de tal forma "programados" para ver, interpretar determinadas coisas que ficamos super sensíveis a esses estímulos, mas esquecemos o resto, perdemos informação, perdemos oportunidades. Ás vezes é necessário afastar durante alguns momentos para  conseguir ver o panorama na sua totalidade ou pelo menos com visão/percepção mais alargada, para ver para além do trabalho, para além do interesse imediato. É bom sair á rua com vontade de sentir tudo, obviamente que isso não é possível, mas pelo menos não reparamos só no carro estacionado há dois dias, no semáforo, na montra sem interesse, nos paralelos molhados. Claro que há alturas em que focar as atenções é essencial, mas quando não o é sou apologista do não formatado, não vá a sorte estar lá e passar despercebida.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

No limite da ilusão

A ideia de viver uma ilusão é algo que me perturba bastante. Sei que nalgumas circunstâncias são quase inevitáveis e a nossa percepção  e maneira de estar no mundo são moldados por pequenas doses de ilusão que nos permitem dar sentido a alguns acontecimentos, esperanças ou sentimentos de forma a facilitar a sua gestão. Contudo algumas pessoas levam este conceito demasiado a sério, como me parece ser o caso dos Reborn Baby Dolls. Aconselho verem o video da bbc para terem melhor noção daquilo a que me refiro, caso não saibam de que se trata.

Os reborn custam entre 200 e 500 euros e tornaram-se um sucesso nos Estado Unidos, Brasil e Inglaterra com uma quantidade crescente de mulheres entre os 30 e 50 anos a tratarem deles como se fossem crianças reais. A fantasia pode chegar a vários níveis, havendo pessoas que para além de lhes mudarem a roupa e preparar comida, também os passeiam em carrinhos de bebé ou cadeiras de automóvel adequadas ao efeito. Depois disto já nem me admiro com a quantidade de blogues inteiramente dedicados ao novos "bebés" da família que tanta alegria e amor despoletaram.

O que é que motiva alguém a investir tanto amor e dinheiro num boneco inanimado? Será que não encontram pessoas merecedores e carentes de tal atenção. Duvido. Pois se fosse esse o caso não haveria crianças sem pais, sem amor, sem protecção sem nada. Neste sentido os reborn ganham alguns pontos, uma vez que não choram, não reclamam atenção quando a sua mama não está com disposição ou tempo para tal e não crescem, logo não trazem outros problemas associados ao desenvolvimento infantil e dilemas da adolescência. Por outro lado os reborn parecem-me um pouco monótonos e ingratos, por mais tempo que se espere não vão fazer um sorriso, não vão dar abraços ou beijinhos quando estão contentes, não vão começar a falar, muito menos a andar, não serão capazes de retribuir o amor que lhes foi dedicado. Mas isto seria numa perspectiva mais realista da coisa, porque na ilusão que os envolve tudo pode acontecer. Algumas mulheres admitem a utilização dos reborn para preencher um vazio deixado pelos filhos que cresceram e se emanciparam ou pelos que partiram quando ainda pequenos. Talvez seja uma forma de lidar com algum trauma ou com a solidão, mas mesmo assim continuo a ver mais beneficio em "adoptar" uma pessoa, bebé ou não ou mesmo um animal.

Embora possa ser uma conclusão um pouco abusada, não posso deixar de pensar até que ponto as pessoas não estão a perder a fé nos humanos. A pouco e pouco maquinas e outros objectos vão ganhando terreno em situações que normalmente envolveriam contacto entre pessoas, mas que agora pode ser apenas a pessoa e a maquina. Exemplos disso são a televisão, o computador ou qualquer outra coisa com acesso à web ou não, que nos dão a ilusão de estar acompanhados e pertencer a algo, mesmo que estejamos na mais pura solidão. Sim, um blog, também se enquadra, embora possa servir outros propósitos e se destine a outras pessoas fica muito aquém do contacto real. Estamos a caminhar no sentido do comodismo extremo, aquilo que queremos, à hora que queremos, sem risco de confronto, desilusão ou necessidades adicionais, apenas nós e a nossa ilusão.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Acreditar na inteligência

É bom descobrir que já alguém se dedicou a testar algumas das nossas teorias de algibeira. Há factores preditivos do sucesso académico das crianças, entres os quais a inteligência ou curiosidade inata e a motivação para o trabalho com vista à superação de objectivos. (Neste caso estou referir-me apenas ao QI e não a inteligencia emocional). Admitindo que há pessoas mais inteligentes e com maior aptidão para compreender e aplicar novos conceitos, acredito que a motivação pessoal e o trabalho são, em conjunto, um factor determinante para o sucesso. Ao que parece  não sou a única.

Algumas pessoas acreditam que inteligência é uma capacidade inata, ou seja ou se nasce inteligente ou se nasce burro, ou algures entre as duas e não há muito a fazer quanto a isso. Por outro lado há as pessoas que acreditam que é algo que se desenvolve através do trabalho e do empenho, ou seja, nem tudo está definido pelos genes, é possível exercitar e melhorar.

É perfeitamente normal que haja diferentes formas de pensar, o surpreendente é que a forma como nós vemos a inteligência enquanto capacidade pode influenciar os nossos resultados e consequentemente o sucesso alcançado. Ou seja, uma pessoa que acredita que a inteligência é algo pré-determinado (ou se têm ou não se têm) e acredtita que não foi muito abençoado nesse campo terá maior tendencia para o falhanço, pois acomoda-se mais facilmente face a resultados fracos e eventualmente não se empenha o suficiente em obter melhores resultados, pois acredita que é burro. O mesmo principio também funciona no sentido oposto para estimular as pessoas que acreditam que são inteligentes a esforçar-se para obter bons resultados. Por outro lado, quando se acredita que o trabalho que dedicamos a algo pode efectivamente ter um impacto no resultado, quer sejamos mais ou menos dotados de inteligência para determinado aspecto, tendemos a trabalhar mais para atingir determinados objectivos, desde que estejamos motivados para tal.

No meio desta história de influencias surgem as expectativas e os feedbacks que obtemos das pessoas que nos rodeiam. Como não poderia deixar de ser, estes factores podem ter um efeito determinante, principalmente durante a infância e adolescência, uma vez que é nesta fase que ocorre parte importante do processo de formação de personalidade. Quer queiram quer não as pessoas formam opiniões acerca de tudo o que as rodeiam e com as crianças não é excepção. Ora, será certamente mais difícil para uma criança acreditar no seu potencial e manter-se motivada quando é rotulada de pouco inteligente, de forma declarada ou não, na família e na escola. Não tenho grandes memórias dessa parte da minha infância, mas tive a sorte de observar essa fase em crianças próximas e os resultados são incríveis.

Mesmo que não se fale sobre isso, é fácil perceber quando alguém tem (ou não) boas expectativas acerca do nosso trabalho ou das nossas capacidades. Não se trata de manipulação, mas sim de acreditar e dar uma oportunidade, nunca se sabe o quanto nos podemos surpreender.

Artigos relacionados:

 Aronson, J., Fried, C., & Good, C. (2002). Reducing the Effects of Stereotype Threat on African American College Students by Shaping Theories of Intelligence Journal of Experimental Social Psychology, 38 (2), 113-125 DOI: 10.1006/jesp.2001.1491

(Blackwell, L., Trzesniewski, K., & Dweck, C. (2007). Implicit Theories of Intelligence Predict Achievement Across an Adolescent Transition: A Longitudinal Study and an Intervention Child Development, 78 (1), 246-263 DOI: 10.1111/j.1467-8624.2007.00995.x)

Não me apetece pensar

"Se faço o balanço constato que não encontrei o que procurava e, porque estava acima do meu entendimento ou me faltava sensibilidade, foi escasso o proveito. Mantenho, sim, as incertezas do começo, tropeço nos mesmos obstáculos, desaponta-me, sobretudo, a impossibilidade de mudar.
Agora é tarde, mas como deveria ter feito para ser outro? Por que razão não vi o melhor caminho? Quem me algemou? Que força, vício, defeito, me obriga a este rodar de animal puxando a nora, o chão por horizonte?"                                                                                              J. Rentes de Carvalho



Hoje é um daqueles dias em que não me apetece fazer nada, muito menos pensar sobre trabalho, sobre planos ou falhanços, sobre nada. E o ser humano, incrível como é, tem capacidade de gerir e controlar muita coisa, mas deixar de pensar por alguns instantes não é propriamente tarefa fácil. Tinha várias opções para distrair a atenção e o pensamento, ver televisão ou ser expectadora de qualquer outra coisa, sair de casa  ou ler. Escolhi a ultima, e Rentes de Carvalho diz algo que de alguma forma sinto mas jamais conseguiria expressar de forma tão clara e eficaz.

Acho que hoje não me apetece pensar por cobardia, sei de cor as conclusões a que chegaria. Apetece ficar quietinha, ouvir apenas o pulsar do coração e o ar a ceder a pressão dos pulmões e finalmente adormecer. Hoje não. Talvez amanha queira fazer o balanço, ajustar os planos ou desistir de fazer planos e recomeçar.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Uma questão de perspectiva

Só quando se perdem determinadas coisas é que conseguimos perceber a real dimensão ou a importância que tinham na nossa vida.

A perda de alguém no sentido mais ou menos dramático ou a doença são provavelmente os acontecimentos que mais abalam a vida das pessoas. Quase sempre  incontornáveis, a única maneira de os superar passa por um processo mais ou menos longo desde o choque e negação inicial até a aceitação. Pelo meio haverá lugar para a revolta, para tentativas de racionalização e depressão. A ordem e duração varia consoante a gravidade da situação e pessoa em causa. Por outro lado,  estes eventos negativos podem ser a oportunidade necessária para reflectir sobre o que é realmente importante e tomar algumas decisões quanto á forma como gastamos o nosso tempo livre, como nos relacionamos com as pessoas ou a paixão que colocamos naquilo que fazemos e na maneira como vivemos.

Ao longo da vida passamos por pequenos processos de luto e frustração quando as coisas não correm como previsto, quando parece que a sorte nos abandonou e tudo conspira contra nós, quer seja no amor, trabalho, dinheiro ou mesmo no que deveria ser lazer. Há vários truques para superar a dor ou a desilusão, ao que parece rir pode ser mesmo o melhor remédio. Cientificamente provado que relaxa os músculos e alivia a dor física. Nada como conseguirmos rir de nós mesmos e das circunstâncias em que estamos, não significa que não lhe damos valor, apenas que vemos dum ângulo menos dramático. O nível de exigência que colocamos sobre nós também merece ser repensado, afinal também somos humanos, não há mal nenhum em reconhecer e mostrar que estamos a sofrer. Acho que a maioria das vezes nos levamos demasiado a sério, achamos que determinado objectivo é crucial para a nossa existência e felicidade e enquanto isso perdemos uma boa parte da vida em si.  Falar ou escrever sobre o que se sente ajuda a reflectir sobre as emoções e os medos que nos assolam e é um passo para os conseguir controlar ou apaziguar. Podemos ainda mergulhar numa actividade que absorva a nossa atenção e pensamento como o exercicio fisico, a comida, droga ou alcool. Os 3 ultimos com efeitos reconfortantes menos duradouros e eventualmente algumas consequências negativas.

Mesmo assim não há nada mais desconcertante, pelo menos para mim, do que entrar num hospital ou no IPO. Os meus problemas são certamente ridículos perante o que ali se vive e no entanto pareço infinitamente mais fraca e mais frágil. Esta sensação é francamente mais intensa quando se trata de crianças. Por momentos sinto-me pequenina e percebo como o ser humano tem uma capacidade fantástica de acreditar, relativizar e viver com dignidade nas circunstâncias mais exigentes. À vezes é o estimulo que preciso para pôr os meus problemas em perspectiva e entrar numa nova fase dos meus pequenos lutos, a maioria das vezes insignificantes quando penso na comparação.

Tinha um professor de Filosofia que dizia que o que não nos mata torna-nos mais fortes, embora soe a cliché não podia estar mais de acordo. Tenho a sorte de aprender isso com os melhores.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Coisas da mémoria

Detesto quando estou quase a chegar a casa e sou assombrada pela incerteza de ter ou não trancado o carro, ou apagado as luzes. Faço uma reconstrução mental do percurso, mas não me lembro de quase nada, nem sequer da viagem até ao estacionamento. Na duvida volto para trás, mais vale prevenir, pois ainda tenho memória fresca do dia em que tentaram assaltar o carro ou das vezes em que ficou com as luzes ligadas, suspeito que a bateria não me perdoaria mais uma vez.

Nunca foi boa a História, não que não achasse interessante, mas porque não tenho jeito nenhum para decorar datas ou nomes ou coisas desse género. Talvez seja de família ou então eu seja demasiado despistada para essas coisas. Por outro lado lembro-me com bastante pormenor do dia em decidi cortar o meu cabelo, tinha eu 4 anos e da dificuldade que tive a convencer a educadora de infância de que tinha sido a minha irmã, lembro-me exactamente do que me passou pela cabeça na primeira vez que andei de bicicleta e percebi que não tinha travão mesmo a meio da descida.

Temos essencialmente dois tipos de memória: a curto e a longo prazo. A memória a curto prazo permite-nos lembrar de que forma começou esta frase, de que é que estamos a falar, permite desempenhar tarefas sem que nos esqueçamos do que é que começamos a fazer. Tem prazo de validade variável e pode ou não passar para uma forma mais duradoura, a longo prazo. Estas ultimas provocam alterações físicas nos neurónios, fazem associações que memorias pré-existentes, permitem-nos guardar recordações de uma vida inteira.


A maneira como processamos os acontecimentos e os guardamos, ou não, na memória sempre me fascinou. Podemos exercitar a memoria ou arranjar formas de memorizar determinada informação (mnemónicas) mas uma boa parte do processo de memorização ou consolidação da memoria acontece no intimo do nosso cérebro de forma inconsciente e muita vezes potenciado pelas emoções. Esta consolidação dá-se principalmente durante o sono, é como se rebobinássemos um filme e voltássemos a ver, vezes e vezes sem conta. As emoções que acompanham os acontecimentos servem de sinalizador para o cérebro saber que importância deverá atribuir a determinada informação. Se foi algo que nos magoou ou que pôs em risco o nosso bem estar, mais vale ficar registado para que se possa evitar em situações semelhantes no futuro, se por outro lado nos deu prazer, também convém saber para procurarmos esse tipo de estimulo nas devidas alturas. Não é de estranhar a importância que a nossa memória tem na maneira como lidamos com o dia a dia, na nossa maneira de ser ou personalidade. Ela serve para isso mesmo, para que não façamos o mesmo erro vezes e vezes sem conta, para que tenhamos a reacção mais adequada possível a uma situação semelhante a algo que já se passou. Permite-nos criar uma identidade, ficar agradecido ou magoado, saber se gostamos ou não de chocolate.



Embora tenhamos uma grande capacidade de memorizar acontecimentos, essa capacidade não é ilimitada e ao longo da vida vão se arrumando e desvanecendo algumas memórias. Mudam-se de gavetas, empurram-se mais para o fundo ou deixam-se simplesmente perder, no meio de tantas outras. Afinal não interessa saber a cor das calças no dia em que fui sozinha para a escola pela primeira vez. Algumas memórias desvanecem e fica apenas um gosto doce ou amargo daquilo que foi. Não me lembro precisamente do que aconteceu, mas lembro-me que fui feliz, que gostava de estar lá. Não me lembro do nome do professor, mas lembro-me que me ensinou a gostar de geografia. Algumas memorias sobrepõem-se simplesmente a outras que lá havia. Desde que decorei o novo numero da minha irmã não me consigo lembrar do antigo. Outras vão ficando mais suaves, menos dolorosas, como se fizéssemos as pazes com o que aconteceu. O nosso cérebro tem aquilo a que eu chamo, uma boa capacidade de selecção natural ou mecanismo anti-trauma. Com o passar do tempo as emoções que acompanham a memoria perdem intensidade, os acontecimentos perdem relevância, deixam de ser importantes.  Temos tendência para guardar os bons momentos, para relativizar e suavizar os acontecimentos que nos causam dor, é como se as memórias fossem manipuladas para um estado que nos deixe mais confortáveis. Claro que o magoou também fica, mas a memória vai suavizando o que sentimos em relação aos acontecimentos, nalguns casos até parece que lhes muda o sabor. Pode também acontecer o contrário e há medida que relembramos um acontecimento acrescentamos uma maior carga negativa, mais dramatismo à historia, a versão contada passa a ser pior do que o que realmente aconteceu.
Uma aplicação prática deste fenómeno é o caso das testemunhas de um crime em tribunal, afinal aquilo que é jurado ter acontecido ou visto pode não ter sido bem assim. Num contexto menos dramático vê-se nas discussões entres casais, familiares ou amigos. Alguns anos depois parece que os acontecimentos guardados na memória ganharam uma nova dimensão. Pelo lado mais positivo ficam as historias de vidas que vamos contando vezes e vezes sem conta.


A memória não é perfeita na medida em que nos permite lembrar de tudo. Isso seria mais confuso do que útil, afinal a capacidade de esquecer é que nos permite manter o equilíbrio, tornando-a perfeita para que consigamos continuar a viver e a acreditar. A experiência diz-nos quando e onde devemos fugir ou ficar, o que nos fez bem e devemos procurar, diz-nos a que sabe o sol de inverno na face, um mergulho no mar ou um abraço.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Amor e sobrevivência

Às vezes parece que penso em contra-corrente e fico com a sensação de que me está a escapar algo! Um dos temas em que isso frequentemente me acontece é precisamente o conceito de amor ou relação. É mais do que sabido e badalado a existência de maneiras de pensar diferentes entre o sexo feminino e masculino, o que é perfeitamente compreensível se tivermos em conta a evolução da espécie humana e da maioria dos animais de uma forma geral. Não podemos esquecer que a existência dos animais na terra está intrinsecamente relacionada com a sua capacidade de se reproduzir e passar os seus genes  à descendência. A forma mais eficaz de concretizar este objectivo é obviamente o acasalamento entre animais da mesma espécie. E é precisamente neste ponto que começa divergência, pois enquanto que o trabalho do macho se pode considerar completo ao fim de alguns minutos, a tarefa de carregar a cria ou crias e promover a sua sobrevivência durante o período inicial em que são dependentes cabe, habitualmente à fêmea. Ou seja, de uma forma simples, o processo de reprodução acaba por dar mais trabalho à fêmea, não só porque se torna mais vulnerável a predadores e a doenças durante a gestação, mas também porque acarreta mais esforço e responsabilidade para garantir o sucesso da "operação".  Obviamente que na vida real as coisas não são assim tão simples, nalgumas espécies animais, a única maneira de garantir a sobrevivência das crias até fase adulta implica o envolvimento activo e continuado dos dois progenitores e surge aquilo a poderemos chamar de relação.

Tendo consciência de que os animais selvagens não são propriamente a minha especialidade, neste ponto vou-me direccionar apenas para a espécie humana. Para além do instinto de sobrevivência presente em todos os animais, fomos brindados com a racionalidade, o que nos coloca  num patamar de complexidade ligeiramente superior. Com a racionalidade vem a capacidade de raciocínio, o pensamento organizado, a capacidade de fazer planos a curto e a longo prazo, a capacidade de manipulação e penso eu a capacidade de ter um maior controlo sobre o percurso da nossa vida através de decisões conscientes. Para além disto há ainda o contexto, a influencia da cultura, as nossas experiências e as dos que nos rodeiam. Tudo  isto permite que cada um de nós tenha as mais variadas ideias e convicções acerca das relações, do amor e da melhor forma de transmitir os seus genes (mesmo que de forma inconsciente). Pensando no Homem à luz dos instintos de sobrevivencia animal, é compreensivel a tendência dos homens em procurar sexo e das mulheres em quererem "relações". Obviamente que isto não se aplica a todas as pessoas, nem a todas as fases da vida e muito se podia dizer sobre a mudança do paradigma que se tem vindo a observar nos últimos tempos, mas ficará para outro post. Por outro lado, toda a gente sabe que a relacção sexual e os relacionamentos em si não têm necessariamente de ter em vista a procriação, aliás muitas vezes não têm de todo e não ha mal nenhum nisso, tal como disse é algo dependente das fases da vida.

Onde eu queria chegar é precisamente à diferença que frequentemente encontro entre a minha visão de relacionamento e a dos homens. Parece-me que os homens são demasiado simplistas neste aspecto ou então disfarçam bem. Numa sociedade em que tanto valor se dá à aparência, não sei como é que ainda nos admiramos com a taxa de insucesso nos relacionamentos. Eu sou da opinião que a solidez e saúde de um relacionamento reside nos pormenores, nas pequenas coisas. Não me parece viável quando as duas pessoas não partilham algumas características essenciais. Não me parece possível haver intimidade e confiança quando as pessoas não atingem uma sintonia. Tratasse de ser capaz de comunicar de uma forma que vai para alem das palavras e daquilo que é dito. Não é preciso conhecer uma pessoa à 50 anos para ser capaz de lhe sentir a alma, é sim preciso querer fazê-lo e dar atenção e espaço para o fazer. Quando se chega a este patamar, as coisas adquirem um novo significado, as nossas motivações deixam de ser tão egoístas e passam a ter algo mais. Claro que a componente sexual assume um papel importante no meio disto tudo, mas jamais poderá ser a única motivação. Quando nos dispomos a conhecer e compreender alguém tornamos-nos automaticamente mais tolerantes  e receptivos a novas maneiras de pensar, o que nos permite evoluir enquanto pessoas e enquanto casal. Na minha visão não há barreiras ou limites quanto a raça ou idades, obviamente que estamos sujeitos a um relógio biológico e ás consequências naturais das vivências e do envelhecimento, mas para isso serve a nossa capacidade de aprendizagem e adaptação.

Nos dias que correm, não basta ter filhos para assegurar a passagem dos genes, é necessário promover um ambiente saudável e estimulante para o pleno desenvolvimento dos descendentes e a melhor forma de o fazer, penso que ainda é  com a contribuição de ambos os progenitores, de preferência unidos por uma boa relação.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Histórias que se contam

As pessoas têm tendência a simplificar tudo. Esta estratégia, embora muito útil em várias situações, pode ter um efeito desastroso quando se trata de contar historias. Neste aspecto não poderia estar mais de acordo com Tyler Cowen que defende que devemos sempre suspeitar quando se fala de historias (http://www.ted.com/talks/tyler_cowen_be_suspicious_of_stories.html).

Crescemos a ouvir historias de princesas em que no final acaba sempre tudo bem e vivem felizes para sempre e ao longo da vida somos bombardeados com mais e mais histórias, torna-se um doce vicio. Chegam-nos de todo o lado, quando falamos directamente com as pessoas, pela televisão ou pelos livros e revistas. Ouvimos com atenção, tiramos as nossas lições e deixamos-nos inspirar. O ser humano é de facto algo de fantástico e muito se passa para além da nossa consciência e é aqui que entram as historias. Narrações de acontecimentos mais ou menos dramáticos que têm quase sempre um final previsível e marcante. O que nos esquecemos é que a historia só relata uma face dos acontecimentos, normalmente a melhor parte. Ficam para trás as tentativas falhadas, os fracassos, as desilusões, os pormenores menos importantes, que existem na vida real, mas não vêm nas historias.

Depois há ainda as histórias que criamos para nós mesmos, para nos manter motivados, para não desistir, aquilo que habilmente imaginamos e acreditamos que será o mais provável de acontecer. Aliás, não haverá outra forma!! É claro que este malabarismo é essencial para que se cumpram determinados objectivos e até certo ponto para mantermos a integridade mental, mas não passa de historias que inventamos para nos confortar.

O problema aparece quando nos apercebemos da escandalosa diferença entre a realidade e as histórias. Afinal não estamos preparados para um final diferente, para os pormenores, para os inesperados. A verdade é que muito raramente a realidade se assemelha às historias, em que tudo tem uma razão de ser e a justiça impera. É bom ouvir histórias, mas a realidade é bem mais complexa, há mais variáveis em jogo, há mais espaço para o imprevisto.
Por favor digam logo que vai ser duro, vamos encontrar muita gente em contra corrente, vamos ter que mudar de planos e recomeçar, vai ser preciso desistir, nada é para sempre. A ideia não é ser pessimista, muito menos dramático, é ser realista! É bom ter esperança e acreditar, mas um pré aquecimento ajuda a minorar a dor do embate.


É impossível impedir a mente de inventar histórias, testar hipóteses sem fim ou olhar os acontecimentos à luz das histórias que guardamos na memória, afinal isso ajudou a espécie humana a evoluir, mas não podemos esquecer o imprevisto e o caos em que reina o universo. Pensar no futuro sem ideias pré-concebidas, sem preconceitos nem visão em túnel. Só conseguimos ver a historia completa quando nos deixamos perder nos pormenores, nos diferentes ângulos, nas várias versões e mesmo assim pode haver alguém num mundo paralelo a viver uma história completamente diferente.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Por que raio se cria um blog?

     Há dias que nos sentimos iluminados, o cérebro simplesmente não se cansa de calcular as hipóteses, as probabilidades, as razoes e todas as justificações para resultados inesperados. Há dias em que nos apetece mudar tudo os que nos aparece à frente, ditar as nossas regras, fazer com que a nossa voz seja ouvida, mesmo aquela que normalmente preferimos esconder.
     Para mim, partilhar ideias é uma forma eficaz de as organizar, de libertar espaço para novas ideias e encerrar pensamentos e memórias menos úteis ou interessantes. E há dias em que o meu pensamento transborda de ideias e opiniões prontas a serem partilhadas, mas nem sempre parece ser a altura ou a pessoa ou a ideia indicada para o momento. Por que não escrevê-las? Por que não parti-lha-las de forma livre, independentemente da altura, da pessoa ou da ideia em causa? Parece-me uma boa ideia!
     A ideia dos mundo paralelos surgiu ontem, ou há uns tempos atrás quando tive conhecimento da teoria que defende a sua existência. Na altura fiquei fascinada com essa possibilidade embora ainda lhe reserve algumas duvidas, ontem enquanto relembrava memorias de infância com o meu irmão percebi que lembramos vidas diferente, como se tivéssemos vivido em mundos paralelos. E eu que pensava que tínhamos partilhado tanta coisa! Afinal até os mesmos acontecimentos podem deixar uma historia diferente em pessoas diferentes. È incrível como as nossas emoções, as historias previas e acontecimentos posteriores podem ter uma influencia tão grande naquilo a que chamamos memoria. Este facto não é novidade para mim, não é dificil encontrar situações sentidas e vividas de forma completamente diferente pelas pessoas que a vivenciam, é algo inevitavel mas ao mesmo tempo espantoso.
     Escrevo este blog para me libertar de pensamentos, não sei se algum dia terão interesse algum para as pessoas que por acidente aqui passem. Peço desculpa desde já se for o seu caso, mas a liberdade de escrever sem um proposito que não termine em mim é demasiado aliciante.